quinta-feira, 24 de setembro de 2009

E se lhe saísse o Euromilhões?

Ter uma fortuna na conta de um dia para o outro é uma rosa que traz alguns espinhos. Saiba quais as dores de cabeça dos novos milionários e como podem gerir o dinheiro.

O dinheiro não traz felicidade. Que o digam os primeiros premiados portugueses do Euromilhões, dois apostadores de Moreira de Cónegos, o dono de uma pastelaria e um operário têxtil que, numa noite de sexta-feira de Novembro de 2004, se viram donos de uma fortuna de mais de 22 milhões de euros cada um.

No mesmo dia, jornais, televisões e rádios já tinham enviados especiais em Moreira para saber a história dos mais recentes milionários da Nação. A pressão foi de tal ordem que tiveram de sair de casa, dormir em hotéis durante uns tempos e procurar 'abertas' para ir buscar roupa. Chegavam cartas a pedir dinheiro, gente a propor negócios, um corrupio de pessoas que queriam também o seu pedaço de lucro. Os dois homens, habituados a trabalhar noite e dia para fazer esticar o orçamento, estavam longe de supor que o dinheiro dava tantas dores de cabeça.

Há 18 ou 20 anos tudo era bem diferente. Um jackpot no Totoloto dava, no máximo, uns 100 mil contos e as pessoas nem sabiam fazer a conta a tanto cifrão no banco. Como uma simpática velhinha, dona de um quiosque em Braga, que, ao ser entrevistada em 1987 nesse tempo os totalistas até davam a cara para publicitar os jogos da Santa Casa, disse que se o dinheiro chegasse para comprar um toldo que impedisse a água de lhe molhar jornais e revistas já ficava muito contente.

TANTO DINHEIRO...

Adriano Ribeiro, 51 anos, ganhou 375 mil euros no Totoloto em 2001. Mal sabia que ano e meio depois não restaria nada da fortuna. Em Dezembro de 2004, quando foi entrevistado pela revista 'Visão', arrumava carros em Espinho. Uma 'amizade' com um casal de Espinho e os muitos pedidos de empréstimos que foram surgindo daqui e dali encarregaram-se de o deixar de novo sem nada.

Carlos Céu e Silva é psicólogo clínico e não se espanta com estes azares. 'A maior parte das pessoas não está preparada para tanto dinheiro. É complicado ensinar a geri-lo. É como voltar outra vez à escola primária. Só que lá havia uma professora atenta ao desenvolvimento do aluno; aqui não há ninguém tão atento.' Quem nasce em berço de ouro, continua o psicólogo, é educado numa lógica de manutenção e multiplicação do património, que escapa aos mais humildes. 'A relação com o dinheiro é como com uma amante: entra na nossa vida rapidamente e satisfaz todos os nossos caprichos.' Mas é igualmente dificil de esconder. 'Manter o sigilo é utópico. Tanto dinheiro gera medo, inveja e pode até criar paranóias persecutórias. Por outro lado, estas pessoas, que nunca puderam ajudar ninguém, de repente têm o poder de uns pequenos deuses na Terra', completa o psicólogo. O carácter bondoso e permeável a propostas deslumbrantes também não joga a favor dos totalistas mais generosos. 'Podem ser pessoas menos assertivas, menos capazes de dizer 'não'. Vivem muito no ambiente da culpa e do julgamento social. Há alguma ingenuidade em pensar que podem resolver os problemas dos outros com dinheiro, mas não é por ganharem no Euromilhões que têm de salvar o mundo', adianta o médico.

Carlos Céu e Silva não acredita que se percam os verdadeiros amigos. 'Muitos têm desejo de serem beneficiados. Se o premiado mostra desagrado, é acusado de arrogância e pedantismo. Mas acho que não chega a existir uma morte social: há o enterro de uma realidade e a entrada noutra, desconhecida mas fascinante.'

AJUDAM-SE MILIONÁRIOS!

Foi para ajudar os altos premiados, como os de Moreira de Cónegos, a lidar com a pressão e a impedir que casos como o de Adriano se repitam que o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia criou, em Novembro de 2004, o Gabinete de Apoio ao Alto Premiado (GAAP), explica a sua ad- ministradora-delegada, Lourdes Hill. Já ajudaram cerca de 20 totalistas de todos os jogos da Santa Casa. 'Os primeiros premiados do Euromilhões foram muito assediados, mas tiveram de ganhar um pouco mais de frieza e aprender a manter algum distanciamento. Tencionamos fazer um acompanhamento aos totalistas, de três em três meses, para não os deixarmos ao acaso.' Chegam ao Gabinete 'serenos e muito cautelosos', muitas vezes já trazem projectos na manga: casa nova, negócios, familiares a ajudar e até projectos de doa-ções a instituições sociais.

No GAAP encontram uma equipa de peritos legais, financeiros, comerciais e psicólogos. 'Normalmente, fazem mui-tas perguntas sobre os impostos', conta a administradora. O Gabinete pode até encaminhar o premiado para serviços de aplicação financeira de capitais ligados a bancos que ajudem o totalista a gerir e a multiplicar a fortuna. Normalmente, este já traz referências financeiras. 'Podem não querer prender-se ao banco com quem sempre trabalharam e procuram um no centro do distrito, por exemplo. Muitas vezes já trazem a referência da entidade bancária de prestígio na área onde vivem, mas onde, até aí, nunca tiveram economias suficientes para poderem ser clientes.' O Euromilhões chegou a Portugal em Outubro do ano passado. E quem se res-sentiu com a chegada deste campeão de apostas foram o Totoloto, o Loto 2 e o Joker, que tiveram, no 1.º semestre de 2005, menos 25% de apostadores. Em Janeiro de 2005 a Santa Casa da Mise-ricórdia dava conta das receitas do ano anterior: 1014 milhões de euros, recorde absoluto e mais 24,7% do que em 2003. Apenas dois meses de Euromilhões foram responsáveis por 74% deste aumento! Somos os Europeus que mais apostam: em Abril, as apostas rondavam €1,26 per capita (seria o montante apostado se os 10 milhões de portugueses jogassem). Em segundo lugar está o Luxemburgo, com €0,61 não deixa de ser curioso que grande parte da população deste pequeno país seja de origem portuguesa. Espanha fica-se por €0,31 e França por €0,22.

Os altíssimos prémios em jogo, livres de impostos, estão na origem do número astronómico de apostas, sobretudo quando há jackpot e muitos apostam centenas de euros. O Estado também ganha sempre que um português acerta na chave má-gica de cinco números e duas estrelas do Euromilhões: segurança social e Santa Casa da Misericórdia dividem o mesmo montante que coube aos totalistas.

MULTIPLICAR OS MILHÕES

Luís Costa trabalha há cinco anos numa corretora, como especialista em aplicações financeiras. 'Como a pessoa em causa não tem uma actividade ligada ao investimento, procura auxílio profissional nesta área. Os bancos têm departamentos que aconselham os seus clientes. Mas, normalmente, são as ins-tituições financeiras que vão ter com a pessoa, e não o contrário', explica. As coisas sabem-se por portas e travessas, confirma. 'Esse é o mal: os oportunistas podem saber e confrontar a pessoa com propostas sem credibilidade. O ideal é confiar numa instituição que tenha um nome acreditado no mercado, mesmo que não seja cliente.' Entre poupanças e investimentos, há fórmulas interessantes de investir tanto dinheiro. Se ganhasse o Euromilhões, Luís já sabe como o aplicaria: 90% ou 95% seria investido. 'Em 5 ou 6 milhões de contos, ter 5% em poupanças já dá para ter quase tudo o que desejamos de mundano. À taxa de juro legal europeia, consegue-se ter o dinheiro à ordem e ganhar muitos milhares de euros por ano. Por isso, numa lógica de rentabilização, investiria quase tudo em produtos finan-ceiros com baixo risco de perdas.' Aqui ficam as sugestões explicadas.

Fundos imobiliários: 'Quem não é especializado no sector imobiliário facilmente perderia dinheiro se investisse numa empresa de construção civil ou na compra de um prédio para alugar ou vender', diz Luís. Para essas pessoas, a solução é comprar participações num fundo imobiliário, gerido por especialistas em compra e venda de imóveis. 'Como estes fundos integram outras unidades de participação, com montantes altos, estes gestores retiraram mais rentabili-dade dos capitais investidos e têm mais poder negocial.' Fundos mobiliários: podem ser acções de empresas e até títulos de dívida pública de países. Deve sempre informar-se sobre o grau de risco destes investimentos. 'Normalmente, um risco mínimo é preferível. No caso dos títulos de dívida pública, o risco é relativamente controlado, porque são países bem cotados no ranking mundial.' Ouro e petróleo também são opções a considerar.O essencial é, como diz o psicólogo Carlos Céu e Silva, 'desmistificar a ideia cultural de que o dinheiro é uma coisa diabólica, que perverte e estraga tudo'. Até porque ele pode não trazer a felici-dade, mas, pelo menos, já nos deixa a meio caminho.

OS MANDAMENTOS DO GANHADOR

Lourdes Hill, da Santa Casa, e Luís Costa, especialista em aplicações financeiras, aconselham futuros ganhadores.

1. Mantenha sigilo. 'Seja discreto e mantenha o anonimato. Evite pressões e que alguém invada a sua privacidade', alerta Lourdes Hill.

2. Guarde o registo a sete chaves. Num cofre, no banco ou em casa, por exemplo. Os talões não estão identificados e são o único documento válido para reclamar o seu prémio.

3. Leve o seu tempo a tomar decisões. Reflicta sobre o banco ou as aplicações a fazer, dívidas a pagar de imediato e negócios a investir.

4. Procure instituições financeiras credenciadas. 'Confirme sempre se está a falar com pessoas dessa instituição', explica Luís Costa.

5. Não dê ouvidos a amigos de ocasião. Sobretudo os que fazem pedidos de empréstimo.

6. Evite investimentos de alto risco. Tão depressa se ganha muito dinheiro como perde toda a fortuna.

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